Algo estava
muito propício.
Talvez
aquele não fosse o momento, Bento acabara de chegar e é certo que logo viria
vê-la.
Não iria
gostar de nada disso se o visse.
Estava
ousada, algo a incorporou naquela madrugada e despejou toda a ousadia e coragem
que pensou não ter mais.
Colocou a
chave no trinco e girou cuidadosamente.
Lá estava...
Um quarto
cheio de teias de aranha, mas completamente organizado.
Havia uma
pequenina janela que já estava fechada pelas taboas, talvez por isso Beatriz
não a percebera pelo lado de fora da casa.
Uma cama, um
tanto pequena para um adulto.
Ao lado da cama,
uma barra de ferro com ganchos, Beatriz sabia do que se tratava, era um suporte
para carregar bolsas de sangue ou soro.
Mas o que
mais chamou a atenção dela, foi que o quarto era forrado de bonecas e ursos,
dos mais variáveis tamanhos e formas.
Já vira o
suficiente, precisava sair, Bento logo estaria em seu quarto e não saberia
dizer qual seria sua reação se a pegasse ali.
Beatriz já
estava fechando a porta do armário ao guardar a chave no mesmo lugar quando
Bento adentrou seu quarto.
Benn: O que
está fazendo? – intrigado –
B:
Procurando algo para vestir depois do banho, de quem são essas roupas, Bento?
Benn: Foram
de alguém que não te interessa.
B: O que
quer aqui? Porque ainda vem me ver? Logo morrerei se é o que quer?
Benn: Eu não
quero que morra meu amor. – aproximando-se –
Ele beijou
seus lábios lentamente.
Ela não
conseguiu ter nenhuma reação. Sentia nojo de chegar perto dele, sentia-se
estranha ao beijar o próprio marido ao invés do mordomo.
Bento
completou:
Benn: Eu só
quero que não se intrometa aonde não é chamada.
Ele dizia
tais palavras, aos sorrisos e caricias, e isso deixava Beatriz incrédula.
Benn: Mas eu
vim aqui pra te dizer outra coisa.
Beatriz não
imaginava o que poderia ser.
Benn: Ana
Beatriz está em um internato, só virá para casa nas férias e nos feriados
prolongados.
B: Como?
Porque fez isso? Você a adora, como pode ter coragem?
Benn: Ela
entende que é o melhor para ela, a escola mais próxima daqui é precária, quero
que minha filha tenha uma educação de primeira.
E nesse fim
de mundo isso será impossível.
B: Ela
concordou?
Benn: Ela
não tem o que concordar, é uma criança e quem manda nela sou eu.
Beatriz
ainda assimilava a notícia.
B: Mas
sequer se despediu de mim.
Benn: Ela
não sente a sua falta. Nem lembra que você existe.
B: Claro,
você fez questão de ajuda-la nisso, não é? – alterando- a voz –
Bento
irritou-se com a maneira com que Beatriz falou com ele.
Ele foi até
ela e a segurou pelo queixo.
Benn: Está
muito petulante, Beatriz. O que anda acontecendo enquanto não estou com você?
Será que precisarei te vigiar dia e noite?
Não, Beatriz
não poderia dar mais motivos para que Bento desconfiasse dela, e se percebesse
que Dan e ela estavam mais próximos?
E se os
afastasse?
Ou pior, se
algo de ruim acontecesse com ele?
Não
suportaria, Dan é a única coisa que mantem Beatriz firme e forte agora.
Por isso ela
tratou logo de mudar o foco.
Dobrou os
joelhos ao chão e começou a chorar.
B: Minha
filha não...
As lagrimas
estranhamente eram forçadas demais e isso não era problema para ela.
B: Como
pode? Ela é tudo pra mim, Bento... Minha filha. Como vou viver agora.
Ele agora percebia
de que ela estava falando sério.
Então ele a
abraçou e ela logo se assustou.
Ficou assim
por alguns minutos.
Benn: É o
melhor pra ela. Se conforme com isso.
Ao dizer
isso ela a deixou e saiu do quarto, e ela pode ouvi-lo chamar Dan logo que saiu
dali.
Estava
apreciando a paisagem de sua janela.
Já havia
tomado um banho e agora deixava os pensamentos tomarem conta de sua cabeça
enquanto olhava a pequena fumacinha ao longe.
Ele chegou
em silêncio, e fechou a porta.
Aproximou-se
dela e envolveu-a em um abraço.
Dan: Eu
sinto muito por sua filha.
B: Sabe
Dan... – virando-se para ele –
Estranhamente,
eu não estou sentindo nada.
Dan: Como
assim? Não está triste por Senhor Bento
ter levado a criança Ana Beatriz?
Beatriz riu
discretamente.
Dan: O que
foi?
B: Acho
engraçado quando a chama assim.
Dan: É
apenas um trejeito.
B: Triste...
Não sei se é essa a palavra, mas estou normal. Como se nada de mais tivesse
acontecido.
Dan: É tempo
demais afastada dela, Senhor Bento nunca deixou uma aproximação maior. Isso é
natural.
B: Não pode
ser natural, Dan. Uma mãe e uma filha, por mais distante que estivessem,
deveriam ter uma ligação forte, só entre as duas.
Dan: Quando
pais adotam crianças órfãs, ou abandonadas, as crianças nunca tiveram os pais
verdadeiros, sequer sabem como é o rosto deles... Para essas crianças, os
verdadeiros pais são quem esteve ali com eles, todo o tempo, todos os dias.
Essa ligação
que você diz, só é forte, quando existe um sentimento entre elas.
B: Quer
dizer que eu não amo a minha filha?
Dan: Estou
dizendo muitas coisas, decifre-as com o tempo. – sorrindo –
B: Você me
acalma... – sorrindo –
Dan: É ótimo
ouvir isso. Agora vamos?
B: Vamos
aonde?
Dan: Vamos
passear pelo jardim, Senhor Bento pediu que eu te levasse já que a sentiu muito
abalada com a notícia da partida da criança.
B: Adoraria
um passeio pelo jardim.
Dan parou na
frente dela e completou.
Dan: Sem
fazer nada imprudente, ou os passeios no jardim não farão mais parte da sua
rotina.
B: Que
malvado. – rindo –
Era curiosa
demais, e isso poderia ser perigoso, tanto para Dan que poderia ser severamente
punido por Bento, como para ela, que poderia até voltar a usar as correntes.
E se isso
acontecesse, tirar Beatriz daquele lugar, seria praticamente impossível.
No jardim
Beatriz reclamava das roupas.
B: Muito
pouco das minhas roupas estão naquele quarto, porque não trouxeram toda a minha
bagagem?
Dan: Ordens
do senhor Bento.
B: De quem
são aquelas roupas no armário?
Dan: De
ninguém, Senhor Bento as comprou pra você.
B: Está
mentindo.
Dan permaneceu
em silêncio.
B: São
vestidos antigos, cheiram a naftalina.
Dan riu.
Dan: Cheiram
mesmo, eu disse para as empregadas não colocarem isso.
Beatriz
pulou a sua frente e completou.
B: Rá rá! Eu
sabia. Os vestidos não são novos. Já pertenceram a alguém. Quem?
Dan passou
as mãos cobertas pelo tecido levemente em seu rosto.
Dan: É
Curiosa demais, Beatriz. Vamos mudar de assunto, está bem?
B: Não,
porque não pode me dizer nada?
Dan: Para o
seu bem, para a sua segurança. Quanto menos souber, melhor.
B: Mas logo
vamos fugir mesmo.
Ele
rapidamente tampou a boca de Beatriz.
Dan:
Shiiiiiiii, não repita mais isso, meu amor. Aqui, até as arvores tem ouvido.
Ela ficou
parada.
Dan: O que
foi? Desistiu do passeio? Olha que não poderemos voltar mais a tarde, temos que
aproveitar agora.
Beatriz
sorria, e Dan não se deu conta do porquê.
Dan:
Beatriz?
B: Você
disse meu amor... – sorrindo –
Dan: Eu
disse?
B: Disse
sim.
Dan: Me
desculpe, saiu sem eu perceber.
Ela
aproximou-se dele.
B: Não
precisa se desculpar, eu gostei.
Dan: Sério?
– sorrindo –
B: Eu não
minto sobre o meu coração.
Dan
aproximou-se um pouco mais dela e completou:
Dan: Não me
olha dessa maneira, não te beijar é uma verdadeira tortura.
Ela sorriu e
se afastou um pouco.
Novamente
estavam próximos a casinha que Beatriz tentou abrir.
B: Dan,
porque não pega um suco de laranja pra mim? Me deu uma sede agora.
Ele sorriu
para ela.
Dan: Porque
eu não caio mais nessa.
B: O que tem
ali dentro?
Dan: Nada.
B: Nada?
Podia ter inventado algo, como é que um cadeado daquele tamanho tranca nada?
Dan:
Beatriz...
B: Do mesmo
modo que estava trancado aquele quarto escondido com o meu?
O Mordomo
ficou pálido. Não podia ter ouvido aquilo, talvez pensou que ouviu, mas de fato
não ouviu nada.
Dan: O que
foi que disse?
B: Como acharam
que eu não o encontraria?
Dan: Do que
está falando?
B: Dan... Eu
me entreguei a você, confio em você. Está na hora dessa confiança ser
recíproco.
Ela
aproximou-se um pouco mais e sussurrou.
B: Confia em
mim...
Dan a olhava
apaixonado, sabia que se Bento sequer desconfiasse que Beatriz sabia algo a
mais do que precisava saber, tudo estaria perdido.
Todo o tempo
que levou para construir a sua vida.
B: Por
favor, Dan.
Dan: Está
bem, só promete que nunca mencionará isso com ninguém. Nem ficar repetindo isso
sozinha, alguém pode ouvir.
B: Eu já
entendi, me diz logo.
Ele olhou
para os lados certificando-se de que não eram observados.
E sem parar
de andar com ela, começou:
Dan: Aquele
quarto, era da Alice Montenegro.
B: Alice?
Dan: Filha
do senhor Bento.
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